O dinheiro mais barato, no momento certo, com os melhores parceiros e um deal justo. Garantir essa combinação na hora de captar recursos é um desafio. Descubra como se preparar.

Originalmente publicado pela Endeavor

Atualmente, o mundo das startups está fervilhando. Angel Investors, Seed Money, Growth Capital e Smart Money são parte do jargão que todo empreendedor escuta quase que diariamente. Porém, antes mesmo de pensar em captar dinheiro para a sua empresa, fique atento a duas coisas:

  • Todo dinheiro que você captar no começo de suas operações, caso tenha sucesso, será o dinheiro mais caro de sua vida.
  • Por outro lado, caso o fracasso venha bater a sua porta, terá sido o recurso mais barato de todos os tempos.

Isso significa que nas várias etapas de crescimento de uma empresa, é quase que inevitável acabar não tendo algum investidor como sócio. Entre os mais prováveis, dependendo do estágio em que o seu negócio estiver, estão os Fundos de Venture Capital e Private Equity. Estas empresas normalmente não trazem somente dinheiro para seu negócio, mas também agregam valor através de seu network de relacionamentos, e expertise no mercado em que você atua (Smart Money).

A intenção deste artigo não é fazer uma análise exaustiva sobre o tema, e tampouco entrar em tecnicalidades, mas sim contar algumas estórias, permitindo que você se conscientize das complexidades e “pegadinhas” atreladas a uma captação de recursos, ou venda de ativos.

As estórias aqui contadas, a exceção da primeira, são reais, porém os números e valores são fictícios, para que assim não incorramos em abertura de dados sigilosos. Além disso, os nomes e mercados não foram revelados para que não cometamos indiscrições indevidas.

Para efeitos de exemplificação, todos os valores apresentados são considerados em valor presente e base única

Vamos a eles!

Mas o que é um “dinheiro caro” e um “dinheiro barato”?

Quando começamos um novo empreendimento, onde o modelo de negócio, o tamanho do mercado e as fontes de receita ainda não estão bem claros e definidos, e os riscos intrínsecos ao negócio são enormes, qualquer investidor cobrará um “prêmio” enorme para lhe “dar” dinheiro.

Até aqui nada de novo. Então, hipoteticamente, digamos que de acordo com alguma metodologia de avaliação aceita pelo mercado, antes de você receber o aporte, valor chamado de “pre money valuation”, o possível investidor avalie seu negócio em R$3 milhões devido ao alto nível de incertezas atrelado a ele.

Este valor poderia ser muito maior caso os riscos do negócio já tivessem sido parcialmente mitigados, tendo resultados significativos na sua diluição como sócio, como você vai ver a seguir.

Entre as coisas mais comuns que poderiam mitigar os riscos, estão: o modelo de negócio já testado com uma base de usuários significativa, provando assim a escalabilidade e mercado; fonte de receitas já aceita pelo mercado em geral (ex. compradores e vendedores); a identificação de competidores e aspectos únicos do seu negócio e estratégia comparados a eles, etc.

De forma simplificada, o investidor que investisse R$1 milhão nas suas operações (all cash-in), teria 25% de participação em seu negócio para compensar o risco extra que estaria correndo. Esta é uma confusão bastante comum que os empreendedores fazem. Quando sua empresa, como no exemplo acima, é avaliada em R$3 milhões (“pre Money valuation”), e o investidor coloca R$1 milhão no seu caixa, ele não está comprando 33,33% de sua empresa. Como todo o dinheiro investido está indo para o caixa da empresa (e para seu “balanço”), ela passa valer R$4 milhões, chamado “pos Money valuation”, e o R$1 milhão representam apenas 25% deste valor.

Investimento feito, parceria fechada. Os anos se passam, e graças ao investimento extra, 10 anos após o aporte ter sido feito, a empresa recebe uma oferta de compra em um “valuation” de R$100 milhões.

Aquele R$1 milhão de reais investidos 10 anos antes, agora é valorado em R$25 milhões de reais (25% da empresa). Este com certeza foi um dos “dinheiros” mais caros de sua vida.

Em 10 anos, o valor do investidor foi multiplicado em 25x em valor presente. É um dinheiro que poderia estar no seu bolso se você tivesse deixado para captar recursos quando os riscos fossem menores e o momento mais apropriado.

Agora vamos refazer as contas pensando em outro cenário de negociação! Imagine que, ao invés de avaliar em R$3 milhões, o investidor avaliou sua empresa inicialmente em R$9 milhões devido a diminuição dos riscos. Neste cenário, ele ficaria com uma participação de apenas 10% do negócio. Passados 10 anos, com sua empresa valendo os mesmos R$100 milhões, e ele tendo apenas 10% do total, você, empreendedor, conseguiria R$15 milhões a mais ao final da negociação.

Por fim, imagine agora a situação inversa. Mesmo com o investimento, a sua empresa veio a ser fechada depois de algum tempo. Aquele R$1 milhão de reais que o investidor colocou no seu negócio, no fechamento da empresa significa R$1 milhão a menos que você deixou de gastar, se endividar e se incomodar.

Neste contexto, sempre vale a pena pensar se é a hora certa de captar dinheiro de um investidor, ou eventualmente conseguir alguma linha de crédito barata. Neste caso, Bancos de Fomento são um ótimo exemplo disto. Assim, não serão diluídos demasiadamente por estarem “ainda” no “timing” errado de captação.

Sobre o empreendedor que criou um negócio de US$100 milhões, tendo 20% de participação, mas só recebeu R$10 milhões quando a empresa foi vendida

Um empreendedor conhecido meu, que serviu de inspiração para essa estória, ao longo da construção de seu negócio teve vários “rounds” de captação. A cada rodada de investimentos que recebia, além de ser diluído em seu percentual de participação, os investidores agregavam regras e mais regras em seus contratos de investimento.

Este empreendedor, após vários investimentos, aceitou algo que os fundos de Venture Capital chamam de “liquidation preferences”. Basicamente, estas regras determinam quais investidores serão pagos antes e quanto receberão como pagamento mínimo (estipulando remuneração mínima para seus investimentos), no caso da venda, liquidação da empresa, ou distribuição de dividendos.

Esta empresa no final foi vendida em sua totalidade para um novo investidor. Como os fundos tinham estas regras de “preferências de liquidação”, e “senioridade” no recebimento dos créditos em relação ao fundador, recebiam antes até a chegar ao pagamento mínimo estipulado em contrato. A medida que era calculada a participação acionária de cada sócio com a devida remuneração, caso o valor ajustado dos fundos fosse maior que o valor da participação acionária, o recebimento era feito pelo maior valor. Assim, no fechamento do “deal”, mesmo o fundador tendo direito a 20% dos US$100 milhões, os bancos e fundos foram diluindo sua participação, sobrando ao final somente US$10 milhões para ele ao cabo de tudo.

Sobre o empreendedor que vendeu sua empresa por R$90 milhões, e só recebeu R$30 milhões ao final do negócio

Uma das formas mais comuns de negociação na compra de ativos considera uma parte do pagamento no fechamento do “deal”, e o restante do pagamento ao longo de “X” anos, em parcelas atreladas a metas estabelecidas para cada período. Este valor extra pago ao longo dos anos chama-se “earnout”. Durante este período, o empreendedor continua na empresa, se responsabilizando pessoalmente pelo alcance de resultados, já que uma grande parte de seu pagamento está atrelado a isto.

Esta estória foi uma das mais emblemáticas que acompanhei. A aquisição consistia de R$30 milhões no “fechamento”, e os R$60 milhões restantes em quatro parcelas anuais, atreladas a metas estipuladas e aceitas de comum acordo. Um pequeno detalhe no contrato foi o que fez a diferença.

Os gatilhos para “earnout” foram pensados pelo empreendedor, tendo o modelo contábil Brasileiro (BR-GAAP) para apuração do atingimento das metas em mente. Neste contrato, ficava acordado que a apuração dos resultados da empresa começaria a ser feita daquele momento em diante pelo padrão americano (US-GAAP), já que era uma multinacional. Nem os assessores nem o empreendedor se atentaram para uma pequena diferença entre os dois padrões contábeis. De forma simplificada, no BR-GAAP quando se faz o provisionamento de um passivo que tenha, por exemplo, um valor estimado entre R$100k e R$500k, considera-se o menor valor para lançamento no balanço (R$100k). Já no sistema contábil Americano, a mesma provisão é feita pelo “mid point” (valor médio) da estimativa, ou seja, R$300k.

As metas, que a princípio eram factíveis de serem alcançadas no BR-GAAP, quando era feita a conversão para o US-GAAP se tornavam automaticamente inatingíveis. Todos os passivos lançados pelo “mid point” não permitiam que as metas de “earnout” fossem alcançadas, já que elas haviam sido pensadas levando em consideração o provisionamento no valor mínimo de cada um dos passivos. Consequência: o empreendedor acabou recebendo somente o valor do fechamento, e um bom negócio, acabou virando um desastre.

Pontos de Atenção em processos de Captação ou M&A

É claro que o hall de estórias e pontos de atenção poderia se estender por páginas e mais páginas, mas nunca seria suficiente para prever toda a diversidade de situações que vocês poderão passar na construção e venda de seu negócio. Assim sendo, me limitarei a alguns pontos de atenção gerais, que lhes permitirão refletir e “pensar fora da caixa” quando a hora certa chegar.

  • Só faça captação quando realmente necessário, e sempre se preocupando “no que” e “como” o dinheiro irá ser utilizado.
  • Dinheiro por dinheiro, sempre opte por “smart money”. O network do investidor e o conhecimento do mercado, podem aumentar significativamente suas chances de lograr sucesso – mais portas abertas e menos erros desnecessários.
  • “O Diabo está nos detalhes” tanto na negociação e contrato, como posteriormente no “como” e “no que” você irá aplicar o dinheiro captado.
  • Não economize no assessoramento jurídico e negocial na hora de captar investimentos ou vender sua empresa. Uma assessoria de qualidade pode lhe trazer alguns milhões de reais a mais ou a menos ao final do processo, e muito menos dor de cabeça no longo prazo.
  • Nunca subestime a pessoa do outro lado da mesa – às vezes esta pessoa não é formada em uma Universidade tão renomada quanto a sua, não tem a mesma experiência e nunca atuou internacionalmente, e é muito mais jovem do que você (ou tudo isto junto e mais alguma coisa que lhe dê a falsa impressão de superioridade). Pois é, esta pessoa só está esperando o momento certo em que você o subestime para “te engolir vivo”.
  • Todo dinheiro que você pegar agora sem necessidade, sobrará para você no futuro! Seja no formato de empréstimos bancários ou com novos investidores, este dinheiro será muito bem remunerado, e terá obrigatoriamente de ser devolvido a quem lhe deu, tendo a empresa alcançado os resultados esperados, ou não.