Daniel Izzo, CEO do fundo de investimentos especializado em negócios de impacto, explica como o setor está se fortalecendo no Brasil e ajudando a solucionar problemas sociais da base da pirâmide

Negócios de impacto são um tema que estão ganhando força no Brasil. Aliar impacto social positivo a retorno financeiro já não é uma utopia, mas uma realidade palpável. E a entrada de novos atores no setor fortalece este ecossistema de negócios, ampliando o impacto que ele gera na vida do brasileiro, em especial da população de baixa renda. Uma das organizações pioneiras do setor é a Vox Capital, a primeira gestora de fundos de investimentos de impacto do Brasil. A Kaleydos conversou com Daniel Izzo, CEO da empresa, que compartilhou conosco sua visão sobre o campo.

No vídeo abaixo você pode assistir à entrevista na íntegra. Após o vídeo, resumimos os principais pontos que foram conversados. Em cada tópico, incluído novamente o vídeo, começando já no tema sendo abordado, para facilitar a quem quiser ir diretamente ao assunto de interesse.

No decorrer da entrevista, abordamos os temas:

  • O que é a Vox Capital
  • Perfil dos investidores que procuram o fundo de investimentos
  • Perfil dos empreendedores que procuram o fundo de investimentos
  • Exemplos de empresas em que a Vox Capital já investiu
  • O cenário atual dos negócios de impacto no Brasil
  • Conselhos a empreendedores de impacto
  • Conselhos a investidores de impacto

Sobre a Vox Capital

Desde 2009, a empresa tem feito investimentos em negócios de impacto, que solucionem algum problema real da população de baixa renda – a chamada Base da Pirâmide.

Os principais setores em que a Vox Capital investe são educação, saúde e serviços financeiros. Além disso, são escolhidos negócios que façam uso de tecnologias que possibilitem escalar o uso da solução. Outro critério importante é selecionar soluções de qualidade, produtos e serviços que seriam usados também por outras classes sócio-econômicas.

Segundo Daniel:

Mas o mais importante para a gente é que ele esteja solucionando um problema da baixa renda. De fato, se outras classes estão também usando a solução, para a gente é uma forma de estar reduzindo essa desigualdade, pelo menos no nível de serviço que é entregue.

Quem investe por meio da Vox Capital?

Que tipo de investidor procura este fundo de investimento de impacto? Daniel explica que são pessoas que estão preocupadas principalmente com questões sociais e acreditam ser possível aliá-las ao retorno financeiro.

[O perfil de investidor] é motivado por questões sociais. A gente acha importante que seja assim. Claro que o objetivo é a gente provar que também dá para ganhar dinheiro, provar que tem um retorno financeiro. Mas acho que a motivação primária é você, através dos seus investimentos, trazer uma transformação social. E se isso vier junto com retorno financeiro, a gente acredita que não vai ter mais desculpa para as pessoas não investirem em impacto. Então hoje são aqueles investidores pioneiros, que estão acreditando na premissa, aqueles que já têm uma preocupação com o desenvolvimento do Brasil, principalmente, além da preocupação com retorno financeiro.

Daniel comenta ainda que quase todos os investidores da Vox Capital são brasileiros. Um grupo formado por famílias locais, pessoas ligadas a movimentos sociais e ao mundo dos negócios.

Qual é o perfil do empreendedor apoiado pela Vox Capital?

O fundo investe em startups, comprando participação acionária das mesmas. Ao contrário de fundos maiores, a Vox Capital não compra o negócio e troca a gestão. Ao contrário, seu modelo é de parceria com o empreendedor e sua equipe.

Há critérios fundamentais para que despertar o interesse do fundo. Entre eles:

Perfil do time empreendedor

Este é o aspecto mais importante da avaliação de investimento. Não é apenas o fundador que é avaliado, mas toda a sua equipe.

(…) a gente não acredita em heróis. A gente acredita em equipes que estão trabalhando juntas, que têm competências complementares e aparentam (…) ter construído uma rede de apoio que é capaz de entregar aquele plano de negócios.

Visão de liderança

A equipe deve saber exatamente o que quer e não apenas se adaptar ao que o investidor deseja.

A equipe tem que saber o que quer. Por incrível que pareça, às vezes a gente senta com os empreendedores e a gente pergunta qual é a visão dele pro negócio e a gente ouve ‘ah, depende do que o fundo quiser’. Isso é uma coisa muito ruim quando a gente está avaliando. A gente quer times empreendedores com uma visão de liderança muito clara. Isso que a gente apoia.

Acreditar firmemente em impacto

O fundo também busca empreendedores que realmente busquem gerar impacto social positivo. Ou seja, empreendedores que já formularam seu modelo de negócios com o impacto em primeiro lugar. E não empreendedores que tiveram uma boa ideia e apenas depois perceberam que poderiam gerar impacto social.

(…) É fundamental o time também acreditar no impacto que ele quer gerar. Então a gente cada vez menos acredita naqueles empreendedores que são de impacto por acidente. Mas a gente acredita naqueles empreendedores que são de impacto por propósito, por coração mesmo. Pessoas que estruturam o seu negócio em volta da intenção de causar um impacto real positivo. Então a gente vê essa questão de alinhamento com o propósito também muito importante nos empreendedores que a gente apoia.

Quais são as empresas em que a Vox Capital já investiu?

Daniel nos deu exemplos de três empresas que aliam com sucesso impacto social e retorno financeiro. Uma em cada setor focado pelo fundo: serviços financeiros, educação e saúde.

Serviços financeiros: AVANTE

A startup Avante oferece soluções de micro finanças a empreendedores no interior do nordeste, mais especificamente no Maranhão, Ceará e Pernambuco. Atuando muitas vezes em que cidades que sequer têm agência bancária. Aos micro-empreendedores, a empresa oferece micro-crédito e soluções de pagamento por meio de tecnologia móvel.

A Avante já atendeu a mais de 50 mil empreendedores e já concedeu mais de R$ 100 milhões em crédito. O ticket médio por empréstimo é de R$ 2.000. Até 2021, a empresa pretende alcançar a marca de 1 milhão de clientes atendidos.

Falando do interior do nordeste, em cidades que não têm nem agência bancária. Dando crédito a empreendedores que nunca tiveram acesso às vezes nem a conta bancária. Então eles estão incluindo pessoas nos serviços financeiros (…). Estamos falando de microempreendedores como aquele que tem um carrinho de lanche, ou a moça que tem uma pequena confecção de vestidos. É coisa bem local e gente que tem aquele modelo de negócio bem pequeno, mas que precisa de apoio para se estruturar melhor e crescer.

Educação: TAMBORO

A Tamboro oferece soluções de educação para habilidades do século 21, com foco em habilidades cognitivas. Com as rápidas transformações pelas quais o mundo passa, grande parte das atuais profissões irão desaparecer e outras, que nem imaginamos, irão surgir. Para isso, o sistema educacional deve estar preparado para ensinar habilidades além de matemática ou línguas, por exemplo.

(…) é cada vez mais importante falar de comunicação, resiliência, capacidade de adaptação, inteligência emocional. Essa plataforma que a Tamboro está desenvolvendo [atende] estudantes desde o ensino médio, de escolas públicas e privadas.

Saúde: Magnamed

Esta é uma startup que desenvolve tecnologias proprietárias para equipamentos que aumentem a produtividade de salas de UTI. Seu principal produto é um ventilador/ respirador criado para UTIs móveis, pensando nas necessidades de países emergentes, como o Brasil.

Atualmente, o líder do mercado mundial é uma marca alemã, cujo produto é de difícil manuseio, requerendo mão de obra muito especializada. Além disso, sua bateria dura cerca de duas horas. Esta vida útil é adequada para países em que há bons hospitais a cada 15 minutos, mas não para o Brasil e outros emergentes.

O produto da Magnamed possui touch screen, sendo mais fácil de usar e não exigindo mão de obra muito especializada para operá-lo. Além disso, sua bateria dura aproximadamente seis horas.

O produto está dando tão certo, que a empresa está exportando sua solução para mais de 30 países em desenvolvimento. Atualmente, é a líder no mercado de UTIs móveis no Brasil, atendendo tanto a hospitais públicos como privados.

O cenário atual dos negócios de impacto no Brasil

Segundo Daniel, este ainda é um mercado pequeno no Brasil, mas com um crescimento muito rápido. Em 2016, estima-se que USD 180 milhões foram investidos no setor, no Brasil. Comparado ao mercado financeiro como um todo, é um valor ainda muito baixo. Mas o nível de interesse tem crescido rapidamente e novos atores estão surgindo no ecossistema de impacto, que está se fortalecendo.

Daniel explica:

Só neste ano a gente já ouviu de 3 ou 4 novas gestoras de fundos que estão interessadas no tema, que estão captando pro tema. (…) os bancos estão cada vez mais interessados (…), já estão começando a se envolver (…). Então é uma coisa que eu sinto que não tem mais volta. A gente está talvez num ponto de inflexão. Cada vez mais atores, soluções e oportunidades vão começar a surgir. (…) É um tema que precisa de muita gente pensando. Muita gente propondo coisa nova. Muitos resultados sendo demonstrados.

Os millenials já têm afinidade natural com negócios com propósito e impacto

Na sua opinião, a geração Y, também conhecida como Millenials, já estão naturalmente mais próximos do conceito de negócios de impacto:

(…) acho que tem uma geração nova que vem vindo por aí, que são os millenials, que já têm isso mais próximo do DNA. Então eu sinto que os bancos estão precisando responder uma demanda cada vez mais dos seus clientes, principalmente (…) das gerações mais novas. E as empresas também estão tendo dificuldade em reter funcionários mais novos se eles não demonstram propósito maior para aquilo que eles fazem. Eu sou muito otimista também no efeito que uma mudança de geração na liderança dos negócios, tanto do lado dos investimentos quanto to lado de gestão de pessoas, vai ter.

O futuro promete o fortalecimento do setor de impacto

Daniel tem a convicção de que o futuro deste campo será promissor.

Então eu acho, pra quem está começando agora, ou pra quem já está no campo, minha recomendação em relação a isso é ‘tenha calma, tenha resiliência e trabalhe com visão de longo prazo’. Não tenho dúvidas de que no longo prazo isso vai ser um tema muitíssimo relevante. É questão da gente trabalhar para criar as condições para que isso aconteça. E pra isso a gente precisa de cada vez mais gente envolvida e todo mundo que entrar agora é pioneiro.

(…)

A partir do momento em que o tema se desenvolve, os investimentos de impacto hoje tem crescido muito, eu acho que a gente vai começar a ver a entrada de outros players. Grandes bancos, grandes grupos financeiros estão interessados no tema. Eu brinco que eles já passaram da fase do ‘se a gente vai fazer’, que era coisa de 5 anos atrás. E agora eles estão vendo ‘como’ eles vão fazer. Então é uma questão de tempo para também outros grupos financeiros entrarem no tema. Então a gente vai ver muita coisa nova surgindo.

A democratização dos investimentos de impacto

Para Daniel, um dos desafios do campo é tornar os investimentos de impacto acessíveis a todos. Como já acontece em outros setores do mercado financeiro, em que não é necessário ter altos montantes para se tornar investidor. Enfim, criar um mercado de investimentos de impacto de varejo.

Eu acho que um dos desafios que investimentos de impacto têm hoje (…) é como democratizar esse investimento. Como tornar o investimento acessível para o investidor de varejo. Por que hoje (…) são fundos que são restritos a investidores profissionais (…), que podem colocar mais de R$ 10 milhões em investimentos. Acho que o próximo passo, o desafio que a gente vai ver, [vai ser] quando eu, você, todo mundo puder investir também em impacto. Isso é uma coisa que a gente está muito próximo de ver acontecer no mercado e eu acho que vai fazer uma diferença enorme, quando as pessoas ‘normais’ puderem investir em negócios que estão ajudando outras pessoas.

Conselhos a empreendedores de impacto

O que um empreendedor de impacto deve ter em mente para ter sucesso no setor? A primeira recomendação de Daniel é que o empreendedor trabalhe com um tema ligado ao seu propósito, pelo qual tenha paixão.

(…) não dá para se criar um negócio de impacto a longo prazo sem ter isso: é um propósito muito claro e é uma paixão muito forte por tentar resolver um problema real. Acho que essa é a principal diferença. Minha principal recomendação. Isso é que vai fazer com que o time ou o empreendedor, a pessoa, superem os desafios com mais força. Essa resiliência que vem de realmente acreditar que aquele problema tem que ser resolvido e que ‘eu vou tentar resolver esse problema’.

A outra recomendação é a do profissionalismo e seriedade, que devem ser tão grandes ou anda maiores dos empreendedores de negócios tradicionais.

Você precisa ser tão profissional quanto… [ter] dentro da sua empresa gente muito boa no financeiro, gente muito boa no comercial, uma estratégia muito clara, uma proposta de valor muito bem definida. Se estiver usando tecnologia, você tem que estar usando tecnologia de ponta. Uma coisa que às vezes a gente confunde (…) é que, por ser social, pode ser mais fraco ou não precisa ser tão profissional. Acho que são coisas que não deveriam se confundir. Por ser social, tem que ser tão ou até mais profissional e mais comprometido do que se fosse uma coisa só para buscar lucro.

Conselhos a investidores de impacto

Já ao investidor, Daniel recomenda ter uma forte visão de longo prazo.

A gente está trabalhando com temas de transformação social, desenvolvimento social. Então a gente tem que ter uma visão de transformação que vai além do trimestre, além do resultado daqui a seis meses. Temos que ter uma perspectiva de 10, 15 anos.

Além disso deve ter em mente que investir em impacto significa ajudar a criar um mundo melhor para os outros e, claro, para si mesmo.

(…) se eu melhorar o mundo pros outros, o mundo vai ser melhor pra mim também. Eu não preciso fazer isso porque eu sou um filantropo ou porque eu tenho preocupação social. Pode ser por motivos egoístas também. O dia em que todo mundo estiver melhor, eu posso ter menos medo de sair pra rua, eu posso gastar menos com segurança, minha vida vai ser melhor.

(…)

Eu posso falar que a gente olhando exemplos de países em que você tem menos desigualdade social, a vida de todo mundo é melhor. Então eu convido os investidores também a olhar além do número do retorno financeiro, mas também para o que aquele negócio, aquela escolha de investimento está trazendo para o mundo.

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