CVM poderia permitir que plataformas ou outros agentes intermediassem negócios

Do Kria

Hoje o maior desafio para a disseminação do crowdfunding de investimento no Brasil é a liquidez. Pesquisa da CVM mostra que os interessados nesta modalidade investiriam até 10% do seu patrimônio, mas enxergam um horizonte de investimento de apenas 2,5 anos. Há, portanto, demanda para crowdfunding entre o público investidor brasileiro, mas o mercado secundário, que possibilitaria uma realização do investimento mais cedo, é essencial para que o setor se desenvolva.

Não é surpresa, nesse contexto, que diversas iniciativas e experimentos voltados à criação de mercados secundários tenham surgido nos últimos anos, embora nunca com a intensidade de agora. Ao contrário do mercado primário, em que a companhia emite novas ações e o recurso captado vai diretamente para o caixa, no secundário os atuais investidores conseguem vender suas ações por meio de intermediários autorizados — isso evita a diluição dos demais acionistas e permite que os fundadores e os primeiros que acreditaram na empresa possam lucrar com o valor criado pela companhia.

No Brasil, há pouco tempo alguns grupos organizados em associações (como ABFintechs e ABCripto, entre outras) intensificaram o diálogo com a CVM em busca de caminhos alternativos para se resolver o problema da liquidez. Segundo as regras atuais, é praticamente impossível se criar um mercado secundário no País, mesmo que seja de balcão. Enquanto isso, o mundo todo se move rápido nessa direção, com significativas experiências já em andamento nos Estados Unidos e na Europa.

No maior mercado de venture capital do mundo, muito antes de blockchain virar febre, empresas americanas como SharePost, Equidate e AngelList organizavam mercados secundários por meio de plataformas digitais, embora restritas a investidores qualificados. Um passo além foi dado na Europa: desde 2017, investidores de qualquer porte, cadastrados em sites de crowdfunding como o da pioneira Seedrs, podem abertamente negociar suas participações com outros membros da rede.

Mais recentemente, antigas e novas plataformas, alavancadas pelo uso de blockchain, passaram a introduzir soluções completas para fundos e empresas ofertarem valores mobiliários já tokenizados (security tokens). Elas buscam reduzir os intermediários e os custos de transação, encurtar os prazos de conciliação e liquidação e, principalmente, acessar uma nova geração de marketplaces de negociação integrados a protocolos públicos em blockchain. Entre os exemplos nessa categoria estão Securitize com OpenFinance (EUA) e Neufund com Binance (Europa).

Não há razão para o Brasil ficar de fora desse mercado. Não queremos ver alguns dos nossos melhores empreendedores incorporando fora do País ou listando suas ações tokenizadas em exchanges estrangeiras. A Instrução 588 da CVM já facilitou enormemente a oferta primária de valores mobiliários, sejam eles em papel ou em tokens. Resta agora a autarquia olhar com mais atenção para a próxima etapa do processo — a de pré-liquidação, ou post-trading — e permitir que as plataformas ou outros agentes de mercado possam intermediar também as negociações secundárias.

Com várias empresas captando montantes milionários com centenas de investidores, acredito que um primeiro passo efetivo e bastante seguro, em função da baixa assimetria de informações, seria restringir a negociação apenas aos atuais coinvestidores da empresa.