Realizado em 20/9, o evento reuniu representantes dos setores público, privado, terceiro setor e academia, com o objetivo de desmistificar o conceito de inovação social no Brasil

Da Rede Comunidade de Inovação Social

Se pudéssemos resumir o debate ocorrido durante o “Seminário de Inovação Social — semeando diálogos e ideias” em uma frase, ela seria: a inovação é o elemento mais forte para se provocar mudanças sistêmicas. E se pudéssemos sintetizar ainda mais e definir duas palavras-chaves, seriam, sem dúvida, inovação (de impacto) e sistêmica.

Para Louise Pulford, diretora da Social Innovation Exchange (SIX) e uma das palestrantes convidadas para o painel “Cenário da Inovação Social no Brasil e no mundo”, a inovação social é uma forma de pensar que determina o caminho para uma atuação colaborativa e transformadora. “A inovação social não é algo novo, as pessoas têm inovado há séculos. Mas nos últimos dez anos notamos um aumento do envolvimento das pessoas e organizações neste universo, o que constituiu uma nova linguagem e múltiplas perspectivas sobre o assunto.”

Louise Pulford apresenta conceito de inovação social durante palestra de abertura do Seminário.

Louise Pulford apresenta conceito de inovação social durante palestra de abertura do Seminário.

Mas já que a definição de inovação social é difusa (cada organização tem a sua), “como” então colocá-la em prática? Segundo Louise, não há receita pronta. Porém, para facilitar o entendimento sistêmico do campo da inovação, a SIX construiu um percurso metodológico e conceitual dividido em sete ciclos: (1) mapeamento de oportunidades e desafios, (2) geração de ideias, (3) desenvolvimento e teste da solução, (4) formatação da solução, (5) entrega e implementação, (6) crescimento e escalabilidade e (7) mudanças sistêmicas (como resultado de longo prazo).

“A matriz nada mais é do que uma forma de enxergar diferentes métodos e ferramentas que as pessoas podem utilizar para processos de inovação. Mas o mais importante é que ela nos mostra o rumo para as mudanças sistêmicas e justifica que para alcançá-las não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Não há necessidade de escalar ao mesmo tempo em que estamos transformando, assim como não precisamos trabalhar sozinhos. Fazemos parte de um ecossistema que opera de forma colaborativa. Somente assim, criando um ciclo de continuidade e parcerias, poderemos gerar soluções mais holísticas”, explica a diretora.

Inovação em rede

Para a construção de ecossistemas bem sucedidos, Louise defende a combinação entre quatro pilares: pessoas, conhecimento, recursos financeiros e poder, em articulação com diversos setores, como empresas, governos, fundações, universidades, hubs de inovação e organizações da sociedade civil (OSCs).

Saulo Barreto, cofundador do IPTI , durante debate do primeiro painel do Seminário de Inovação Social.

Saulo Barreto, cofundador do IPTI , durante debate do primeiro painel do Seminário de Inovação Social.

Saulo Barreto, cofundador do Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação(IPTI) e um dos painelistas do Seminário, destaca ainda a importância da empatia e escuta ativa das demandas da comunidade para a qual se quer propor soluções. “Ao trabalhar com tecnologia ou inovação social, é fundamental entender que as comunidades que queremos ajudar não necessariamente querem a nossa ajuda. Muitas vezes as pessoas sabem o que querem, mas também querem o que não sabem. Precisamos estar atentos a essas dinâmicas invisíveis. As ações devem ser feitas em longo prazo (respeitando o tempo de cada território) e com muita empatia, coisa que não sabemos fazer, pois temos a tendência de querer conduzir os outros.”

“Nunca dê para as pessoas o que elas desejam. Dê o que elas querem desejar, mas não são capazes de perceber ainda.” Bernard Shaw (livre tradução)

Para ilustrar sua fala, Saulo compartilhou algumas iniciativas do IPTI. Uma delas foi o desenvolvimento da tecnologia social Hb, que permite o diagnóstico, tratamento e controle de índices de anemia ferropriva nas escolas. A experiência, implementada inicialmente em Santa Luzia do Itanhy (SE), foi reaplicada em Boquim (SE), Axinim (AM) e Ilhabela (SP).

Ao relatar outro exemplo, dessa vez do Synapse e da TAG, uma cartilha pedagógica e uma plataforma de apoio à gestão do ensino público, ambas reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC) e transformadas em política pública, Saulo cita a importância de se pensar em longo prazo. “Sofremos da síndrome das start-ups (obter escala como prioridade de curto prazo). Em vez de medir somente a parte quantitativa (número de beneficiários, de cidades etc), precisamos criar um framework para avaliar o impacto na perspectiva da mudança de mindset. E só transformamos mentalidades a longo prazo.”

Estratégias e tipos de Scaling

Graziella Comini apresenta o conceito de “escalar” em palestra do Seminário.

Segundo Graziella Comini, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), existem diferentes tipos de escala:

  1. Scale out: com o objetivo de impactar o maior número de pessoa;
  2. Scale Up: visa potencializar o impacto, influenciando, por exemplo, a implementação de políticas públicas e leis;
  3. Scale deep: pretende trabalhar com questões e paradigmas culturais, de mudança de modelo mental.

“Escalar não significa aumentar quantitativamente, significa aumentar qualitativamente e ter um impacto mais profundo. Por isso, a escalabilidade envolve mudança de framing. É preciso reconhecer que você não sabe tudo, já que o processo de scaling envolve reflexão e troca de experiências e compartilhamento entre pares”, explica.

“O problema na cabeça das pessoas, principalmente na dos financiadores, é pensar em escala no ponto de partida. Mas enquanto desejarmos soluções de curto prazo, nunca teremos um projeto de nação. A economia que mais perde com isso é a economia da esperança”, completa.

Mirella Domenich, diretora da Ashoka Brasil, e uma das palestrantes da programação do período da tarde, concorda ao dizer que o setor privado tem a responsabilidade de destinar recursos livres para ideias inovadoras, sejam elas lucrativas ou não, já que para ela todos podem ser agentes de transformação, desde que tenham oportunidades para desenvolver suas habilidades.

A reflexão sobre financiamento foi explicitada também na fala final de Leonardo Letelier, CEO e fundador da SITAWI Finanças do Bem. Para ele as iniciativas devem focar em diversificar as fontes de recursos e explorar novos formatos como crowdfunding, crowdequity e crowdlending.

Quem faz no Brasil

Instituto Geledés apresenta exemplos de tecnologias sociais durante grupo de trabalho do Seminário.

Instituto Geledés apresenta exemplos de tecnologias sociais durante grupo de trabalho do Seminário.

Com objetivo de inspirar e estimular práticas de inovação social, o seminário reservou parte de sua programação para a exposição e aprofundamento de casos brasileiros. Para isso, o público foi dividido em quatro grupos de trabalho, um por iniciativa: Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), Instituto Geledés, Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e Coca-Cola.

O Instituto Geledés apresentou o aplicativo PLP 2.0 e a plataforma Juntas. Ganhadoras do prêmio Impacto Social Google, as iniciativas foram criadas para apoiar jurídica e emocionalmente mulheres vítimas de violência doméstica, seja ela física ou psicológica.

Combate à violência contra a mulher também é foco de grupo apoiado pela Rede-Comunidade

Nas comunidades Real Parque e Jardim Panorama (zona sul de São Paulo), a violência doméstica é cotidiana e naturalizada. É comum ouvir histórias de moradores que conhecem alguma mulher que apanha do seu companheiro ou até de filhos e netos. Além disso, muitas meninas sofrem abuso ou bullyingsexual, sendo responsabilizadas indiscriminadamente por isso, enquanto os agressores são tratados normalmente pela comunidade.

Diante deste cenário, o coletivo Feminismo Comunitário, um dos grupos apoiados pela Rede-Comunidade em 2018, trabalha para criar ferramentas de apoio e acolhimento de mulheres e meninas em situação de violência.

Facilitação gráfica do processo de ideação do grupo Feminismo Comunitário.

Facilitação gráfica do processo de ideação do grupo Feminismo Comunitário.

À semelhança do PLP 2.0 e da plataforma Juntas, o coletivo propôs o desenvolvimento de um aplicativo (em fase de teste) de sensibilização e disseminação de informações e conteúdos pertinentes ao tema, além de uma área para esclarecimento jurídico e de funcionalidades como “Botão de Emergência” e pré-cadastro de cinco contatos “Anjos” — pessoas “protetoras”, que poderão ser acionadas em momentos de risco.

O objetivo é fortalecer e conectar meninas e mulheres, com base em um feminismo que considere suas origens e realidade social. Dessa forma, o coletivo parte da escuta e entendimento das histórias dessas mulheres, com foco no fortalecimento da autoestima, por meio de ferramentas de apoio mútuo.

A FBAC demonstrou o funcionamento da metodologia Apac (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado). Já o ICE contou sobre o processo da Força Tarefa de Finanças Sociais, atualmente Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto — uma rede que identifica, conecta e apoia organizações e temas estratégicos para o fortalecimento do campo de Investimentos e Negócios de Impacto no Brasil. E a Coca-Cola apresentou como a inovação social se faz presente nas principais atividades do negócio.

Após uma apresentação inicial de cada um dos casos, os participantes foram convidados a debater sobre o conceito de inovação, escalabilidade, replicação, dentre outros.

>> O evento teve organização do Instituto Jatobás, Instituto Sabin, em parceria com o Sense-Lab e Mobiliza Consultoria, apoio do GIFE, da Fundação Salvador Arena e da TOTVS, e parceria institucional do Instituto Desiderata e do Pé de Amora.

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Texto: Carol Gutierrez
Fotos: Gustavo Rampini