No ICE

No Brasil, as complexas questões ambientais têm sido endereçadas pelo governo, por meio de políticas de comando e controle e de fomento, e pelo trabalho atuante de organizações da sociedade civil. No entanto, ainda é desafiante conter o desmatamento e a perda da biodiversidade, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e garantir a proteção de manaciais de água.

A relação entre negócios de impacto e meio ambiente ainda é nova no Brasil, mas vai caminhando no sentido de se somar a esse quadro e ajudar a mudar a situação.

Um exemplo disso é o Mapeamento sobre investimento de impacto na agricultura climate-smart no Brasil, apresentado no final de julho pela Alimi Impact Ventures e pela Fundação Rabobank. O trabalho traz uma visão geral do investimento de impacto em agricultura climate-smart no Brasil, em especial nos biomas Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado. São destacadas seis iniciativas, em diferentes estágios de maturidade, e que envolvem uma agricultura orientada à redução e mitigação das mudanças climáticas, com objetivo de inspirar novos investimentos nesse tema.

Um desses casos é o Amazon Pec, desenvolvido pelo Idesam no município de Apuí (AM), que busca atrair investimentos para escalonar a a oferta de assistência técnica e crédito rural para produtores que se comprometam a conter o desmatamento no município. A proposta de modelo de produção agropecuária do Amazon Pec envolve a recuperação de áreas degradadas por pastagens improdutivas e o plantio de árvores, numa lógica de produção que integra lavoura, pecuária e floresta, e é adaptada às condições da Amazônia. A inciativa busca investidores para ampliar para 120 o número de produtores que adotam esse modelo nos próximos três anos.

Mariano Cenamo, fundador e pequisador sênior do Idesam, destaca três desafios para os negócios de impacto na Amazônia: investidores mais dispostos a assumir o risco de investir em negócios extremamente inovadores, que vão contra o modelo vigente, que é a economia do desmatamento; a pauta dos empreendedores locais, para quem a prosperidade veio pela substituição da floresta; e a valorização do produto/serviço oferecido, agregando todas as dificuldades de logística, comunicação e assimetria entre as expectativas de investidores, empreendedores, compradores e mercado.

“A economia do desmatamento relacionada ao uso da terra está tão bem estabelecida na Amazônia que é muito difícil ir contra. Qualquer negócio que se proponha a gerar retorno financeiro, com uma economia de restauração e produção dissociada do desmatamento, já é em si extremamente inovador. E inovação sempre tem risco. Quando não se tem uma fonte de apoio financeiro a fundo perdido, o investidor tem que estar disposto a correr riscos”, avalia Mariano.

O Idesam é também coordenador executivo da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), que reúne empresas de diversos segmentos e tamanhos em torno do objetivo de discutir desafios e oportunidades para engajamento do setor privado na promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

A PPA acaba de finalizar uma chamada aberta para selecionar iniciativas, negócios, empreendedores e instituições que estejam gerando impacto socioambiental positivo e fortalecendo essa nova economia, baseada na conservação dos recursos naturais e na valorização da sociobiodiversidade da Amazônia.

“A PPA é nova, completa 11 meses agora. E a gênese dessa chamada veio da provocação de empresas integrantes da plataforma, que não entendiam por que dedicar seu tempo a uma nova agenda e queriam saber o que tinham a ganhar montando uma rede de ação coletiva. A proposta de fomentar uma nova agenda na Amazônia depende muito do setor privado. O papel do governo é fundamental na cadeia de comando e controle e coibição de violência, mas isso não ataca as raízes profundas da dinâmica do desmatamento. A lógica é totalmente econômica. As empresas não sabem como se envolver, não está no core business delas desenvolver projetos que protejam o meio ambiente. Mas disseram estar dispostas a conhecer e talvez investir. E então veio a chamada”, descreve Mariano.

A iniciativa teve como resultado 81 inscrições, resultado acima do esperado. Há empreendimentos em diversos estágios, de vários estados da Amazônia, focados em cadeias de valor e distribuição. Os selecionados concorrem a duas modalidades de premiação: participação em rodada de investimento de até R$ 600 mil durante o Fórum sobre investimento de impacto e negócios sustentáveis na Amazônia, que ocorrerá nos dias 13 e 14 novembro; e participação no programa de aceleração da PPA.

Onde estão os bons negócios?

Nessa mesma sintonia de mapeamento do campo, foi lançada a 1ª Chamada Bons Negócios pelo Clima. Realizada pelo Instituto Climate Ventures Brasil e pela ClimateLaunchpad, em parceria com Aoka e Instituto Clima e Sociedade (ICS) e apoio da Pipe.Social, Fundação CERTI e Instituto Arapyaú, a iniciativa vai selecionar até dez soluções e inovações tecnológicas desenvolvidas por pessoas físicas ou jurídicas para conservação florestal e uso econômico consciente dos recursos naturais.

Entre os temas buscados, independentemente da fase de desenvolvimento do negócio, estão gestão de água, gestão de resíduos, agropecuária, energia, logística, uso do solo e florestas. As iniciativas selecionadas serão apresentadas para investidores e representantes da Climate Ventures, além de concorrerem a uma vaga para participar da ClimateLauchpad 2018, na Escócia (maior competição mundial de ideias de tecnologias verdes). As inscrições seguem até 17 de agosto.

A chamada vai gerar também um mapa nacional de negócios. “O mapeamento será fundamental para o processo de aceleração da economia de baixo carbono. Percebemos que um dos principais fatores que impede essa aceleração é identificar o pipeline. Onde estão os bons negócios para o clima no Brasil? Quais são essas soluções? Quem são seus idealizadores? Existem desafios comuns? Conseguem acessar os recursos financeiros de investidores? E ainda, será que os instrumentos financeiros atuais atendem suas necessidades? Para acelerar um ecossistema como esse, é preciso antes entender todo esse cenário, ” aponta o diretor executivo da Climate Ventures, Ricardo Gravina.

Outra iniciativa em curso para melhor compreender esse campo é o Desafio Conexsus, que vai desenhar um mapa de negócios comunitários sustentáveis. A primeira fase da iniciativa – um panorama de cooperativas e associações de produtores que atuam na base das cadeias produtivas de impacto socioambiental – cadastrou mais de mil desses negócios, localizados em todas as regiões do país. O prazo para participação se encerrou em 30 de julho.

O desafio tem como objetivo desenvolver, no período de um ano, soluções para ampliar o acesso a mercados, a crédito e a outros instrumentos financeiros adequados a este perfil de negócios. “Queremos ativar e fortalecer os ecossistemas de promoção de negócios sustentáveis com a combinação de recursos de fomento e financiamento e novos arranjos produtivos”, explica a diretora de operações da Conexsus, Carina Pimenta.

Organizações com perfis semelhantes serão agrupadas para participar de soluções customizadas, desenvolvidas pela Conexsus e seus parceiros, que são organizações de apoio, agentes do mercado, financiadores e investidores. Inicialmente, 70 empreendimentos deverão ser impulsionados para que superem os principais gargalos que enfrentam hoje.

A complexidade do impacto

Em sua nona edição, o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), realizado pela Fundação Grupo Boticário recentemente, teve como tema “Futuros possíveis: economia e natureza”. Célia Cruz, diretora executiva do ICE, participou da mesa Investimento de Impacto: que bicho é esse? destacando conceitos, panorama, atores, a relação entre investimento de impacto e conservação da natureza, dentre outros aspectos do campo.

“Existe espaço no terceiro setor para apoiar muito esse campo, avalia Guilherme Karam, da Fundação Grupo Boticário, que desenvolve, em parceria com a Fundação CERTI, o projeto Araucária +. O objetivo é promover a valorização econômica da Floresta com Araucárias, buscando a conservação dela por meio da inclusão socioeconômica de proprietários de áreas naturais em cadeias produtivas inovadoras, com base em espécies nativas não madeireiras dessa floresta, como a erva-mate e o pinhão (semente da araucária).

“Temos três tipos de negócio na área ambiental: o que reduz impacto negativo, mas ainda sim gera impacto (nas áreas de resíduos sólidos e eficiência energética, por exemplo); o que já começa a neutralizar seu impacto e está perto de não gerar impacto negativo, mas não gera impacto positivo (como a área de economia circular); e um terceiro, que nos interessa, que tem como objetivo entregar impacto positivo”, avalia Guilherme.

No Araucária +, foram definidos critérios de uso responsável e sustentável das duas espécies (erva-mate e pinhão), e por isso tem sido possível conectar os produtores que aderem ao projeto a um mercado diferenciado, que remunera os produtos pelo impacto ambiental positivo, pagando um pouco mais do que o mercado tradicional. Além disso, o projeto envolve Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), remunerando o proprietário rural pelos esforços feitos para conservar a floresta.

“A biodiversidade do Brasil está sendo perdida. Há oportunidades para os negócios de impacto ajudarem a reverter isso. Os mapeamentos de negócios de impacto ainda não têm esse refinamento, esse olhar para a conservação da biodiversidade. Temos acompanhado todas elas, e são muito importantes, mas têm um pipeline mais aberto.”, avalia Guilherme. “No CBUC, perguntamos para vários palestrantes o que é preciso para esse campo avançar, e a resposta comum é que os investidores precisam de bons negócios, cases concretos, para sentirem segurança. Acompanhamos também os mapeamentos realizados pela ANDE, com o olhar do investidor, e nas duas últimas edições o investimento em biodiversidade é quase nada, cerca de 2%. E eles também dizem que querem investir, mas precisam ter bons projetos, boas narrativas de impacto e resultado”, conclui.

Guilherme aponta como desafio atual para o avanço da agenda de negócios de impacto e meio ambiente a necessidade de um pipeline de bons projetos, que se sustentem. “Por muitos anos, conservação da biodiversidade no Brasil foi, e ainda é, dependente de grandes doadores Os projetos bons precisam perceber essa oportunidade de serem atrelados a modelos de negócios e acessarem capitais diversos. Podem continuar acessando filantropia, mas há aqui novas oportunidades, complementares”, avalia.


Foto: Visual Hunt