Coordenador da Enimpacto explica como empreendedores de impacto e governo podem ser aliados na solução de problemas socioambientais

Negócios de impacto têm a missão de solucionar ou ao menos mitigar problemas sociais e ambientais. Essa também é uma missão do governo. Portanto, parece lógico e natural que esse tipo de negócio possa se tornar fornecedor do poder públicos nas três esferas, federal, estadual e municipal.

Para empreendedores de impacto, vender para o governo representa uma grande oportunidade. Ao mesmo tempo, é um desafio, seja pela complexidade e burocracia das compras públicas, seja por não haver ainda no Brasil uma legislação específica para qualificar negócios de impacto.

Lucas Ramalho Maciel

Lucas Ramalho Maciel

Para lançar uma luz sobre a questão, Kaleydos conversou com Lucas Ramalho Maciel, coordenador da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto) no Ministério da Economia. Lucas explicou quais são as oportunidades e os desafios para o empreendedor de impacto se tornar fornecedor do poder público. E falou sobre o projeto de lei que pretende criar as “sociedades de benefício”, nos moldes do que já está em vigor em 39 estados dos EUA e na Itália.

Boa leitura!

 

Vender para o poder público é uma tendência dos negócios de impacto em 2020?

Acredito que sim, esse é um caminho que eu acho que o ecossistema deve perseguir, deve trilhar. Por que? Porque no Brasil cerca de 11% do PIB corresponde a compras governamentais. São as compras institucionais das três esferas: federal, estadual e municipal. Ou seja, tem uma fatia importante do mercado que corresponde às aquisições de bens e serviços realizados pelos diferentes tipos de governo. E essa é uma fatia que, para um segmento que está em expansão, não deve ser desprezada, nem desconsiderada.

E o Brasil tem experiências bem sucedidas nesse campo. Quando a gente pega o caso das micro e pequenas empresas, o caso da agricultura familiar, dos produtos orgânicos, dos produtos de origem nacional… Enfim, todos eles tiveram ou se utilizaram do poder de compras governamentais como uma forma de alavancar e aumentar o setor.

Acho que, mais do que uma tendência, porque isso não vai vir naturalmente, as compras governamentais se configuram como uma estratégia, um caminho para fortalecer o campo. Eu não classificaria como uma tendência, porque não acho que vai vir naturalmente. Mas eu acho que é um caminho promissor e que deve ser enfrentado. Ele tem alguns desafios, mas esses desafios devem ser endereçados e enfrentados. Eles constituem uma grande janela de oportunidade para o setor.

 

Quais seriam as maiores oportunidades para negócios de impacto que ofereçam serviços e produtos que possam interessar ao poder público? Que caminhos um empreendedor de impacto têm para vender para ser fornecedor do governo?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares.

O que a gente tem é uma gama muito diferenciada de iniciativas de negócios de impacto, principalmente em serviços. Uma distância ainda entre esses serviços e as necessidades do Estado, que muitas vezes o próprio Estado não tem muito claro quais são elas.

Um potencial, uma grande oportunidade, uma tendência, são as startups que trabalham com gestão de municípios. Essa é uma grande oportunidade principalmente para as vendas governamentais feitas a nível municipal.

A um nível federal, a gente tem um contexto de ajuste fiscal que reduz amplamente os investimentos e a capacidade de compras do Estado. Mas eu vejo que, por exemplo, startups de moradia, que oferecem habitações, podem fazer bastante sentido para uma política de habitação mais ampla. Então eu acho que poderia ir mais ou menos por esse caminho.

Os caminhos para o empreendedor ser fornecedor do poder público… ele tem que conhecer muito bem o seu cliente, tem que conhecer muito bem o Estado, os seus processos, estar ciente de que muitas vezes o Estado demora para pagar, estar preparado para isso. Saber que vai ter um custo de capacitação, de conhecimento de como é a complexidade do governo e estar disposto a trilhar isso.

E nesse caminho o papel de organizações intermediárias, e da própria Aliança Pelos Investimentos e Negócios de Impacto, pode contribuir bastante também para o processo de facilitar, de diminuir esse custo de apreensão do que é o Estado e compartilhar com o ecossistema, com os empreendedores, para não seja um custo que fique muito alto para o empreendedor individualmente.

 

Quais são as maiores barreiras e desafios para fornecer para o poder público?

Acho que a maior barreira e desafio é a complexidade do Estado, a demora em receber uma vez prestado o serviço.

Além disso, há os riscos que estão envolvidos com processos de experimentação inovadores, o risco do pioneirismo. É um processo novo, um campo novo. E tem um custo ser pioneiro nesse processo.

Do lado do Estado, do governo, acho que o maior desafio é conseguir normatizar e conceituar um campo que é nascente, em expansão. Portanto, há vários cuidados a serem tomados nessa conceituação para poder entender melhor quais são as demandas do campo de impacto e conseguir formatar políticas públicas adequadas a ele.

Esses são alguns desafios aos quais a gente vem se debruçando e tem debatido no âmbito da Enimpacto.

 

Hoje ainda não há uma legislação que tipifique o que é um negócio de impacto. Uma legislação desse tipo poderia de fato facilitar a vida do empreendedor que queira vender para governo? De que maneira?

Eu acredito fortemente que sim.

Se a gente não tiver uma legislação que especifique o que é um negócio de impacto, que dê segurança jurídica, tranquilize o gestor e o ordenador de despesas no âmbito do poder público com relação ao tratamento que está sendo dispensado ao negócio de impacto, eu acho que é muito difícil a gente avançar em uma política de compras mais adequada às necessidades do ecossistema.

Acho que sem uma legislação específica é possível a gente fazer as compras seguindo a legislação geral, mas não dando um tratamento diferenciado. E aí seria tratar as compras dos negócios de impacto como qualquer outra compra realizada. Eu acho que isso não é justo e não é o certo.

Não é justo. Primeiro porque os empreendedores de impacto entregam para a sociedade bens e serviços que ajudam a melhorar problemas sociais e ambientais. Ao fazer isso, ele diminui a pressão pela resolução desses problemas que o próprio Estado teria que arcar. Então a existência desses empreendimentos torna mais barata a atuação do Estado, a resolução dos problemas sociais e ambientais que o Estado deve resolver.

Então não é justo tratar negócios de impacto como negócios tradicionais por causa disso. Não é adequado porque uma legislação geral não dá conta das especificidades do empreendimento de impacto. São empreendimentos geralmente em estágio mais recente que, além de todas as dificuldades que o empreendedor comum enfrenta, ainda tem que se preocupar em gerar o impacto positivo, com mensuração e reporte desses impactos. Então ele tem uma estrutura de atuação que é diferenciado e mais complexa.

 

O que a Enimpacto tem feito a respeito? Há projetos em tramitação ou planos do tipo?

Desde que foi criada, a Enimpacto tem a previsão da realização de sessenta e nove ações até o ano de 2027 e uma das sua ações já previstas era a proposição de uma legislação que qualifique os negócios de impacto no país.

Esse debate a gente realizou logo no primeiro ano de Enimpacto. A gente tem, nos últimos dois anos, discutido internamente e com parceiros quais são os cuidados, os riscos e as potencialidades de avançar nessa área.

Estamos com um projeto de lei de qualificação das sociedades de benefício. A gente se baseou na experiência internacional, na lei das benefit corporations nos EUA, que foi aprovada em 39 estados. Foi aprovada também na Itália, por exemplo. E está em discussão em outros países, como a Argentina e Colômbia.

O que essa lei propõe é a qualificação dos tipos societários jurídicos existentes das empresas. Hoje você tem as S.A.s, as limitadas e as EIRELIs, por exemplo. A ideia é que aquelas que desejarem se qualificar como sociedades de benefício possam incorporar ao seu nome uma qualificação de benefício. Por exemplo, “limitada de benefício”, “EIRELI de benefício”, “S.A. de benefício”.

E quais são esses critérios que a empresa deveria atender para se qualificar como sendo de benefício?

Primeiro ela tem que ter o compromisso de gerar impacto socioambiental positivo na sociedade. Então o resultado das suas atividades de geração de bens e serviços geram impactos positivos na sociedade. Não é só minimizar os negativos que gera ou ficar no zero a zero, mas gerar uma resultante positiva. Segundo, ela deve monitorar e avaliar esses impactos positivos. E, terceiro, a empresa deve reportar, fazer relatórios publicando esses resultados positivos que estão sendo produzidos.

Então a ideia que a gente está trabalhando é que, assim como as empresas publicam seus balanços, para facilitar, por exemplo, a captação de investimentos, a ideia é que tenha uma cultura de publicação dos impactos positivos que estão sendo gerados pelas empresas de benefício. E o que a gente espera com isso é que, cada vez mais, as empresas se sintam chamadas a fazer essas avaliações, esses reportes, e com isso ajudar a estruturar uma economia de impacto no Brasil.

A gente imagina que essa qualificação possa dar alguma vantagem competitiva em relação aos concorrentes. Quer dizer, nesse contexto onde os consumidores estão cada vez mais exigentes e conscientes, acredito que haveria preferência por empresas de benefícios, que geram impactos positivos. Seria bom para atrair mais consumidores, gerar vantagens competitivas e a gente criar um arcabouço legal para permitir essa vantagem é positivo.

A gente tem feito isso. Estamos com um projeto de lei que sendo discutido internamente e a ideia é tramitar isso para a Casa Civil. Para que haja um projeto de lei de autoria do Executivo que depois seja submetido ao Congresso.


Foto por Pedro Xavier de Mendonça com uso autorizado por uma licença CC BY-NC-SA 2.0