O setor 2.5 engloba maneiras inovadoras de empreender, projetadas com o objetivo de buscar formas de amenizar problemas sociais decorrentes da pobreza

Originalmente publicado pelo eCycle

Setor 2.5 (ou “setor dois e meio“), é a terminologia adotada por alguns especialistas para tentar definir um segmento considerado emergente e inovador da economia. Ele recebe esse nome pela intenção de combinar em si propostas do segundo e do terceiro setores, propondo, assim, um modelo que harmonize uma gestão inteligente e eficiente de empresas (referente ao segundo setor), com o objetivo principal de assegurar equivalente retorno em benefício social (finalidade do terceiro setor).

Dessa maneira, as ações promovidas pelo setor 2.5 são conduzidas por objetivos sociais, mas também apresentam fins lucrativos. A maior vantagem dessas ações em relação às ONGs (associações do terceiro setor) é justamente a possibilidade de crescer e receber investimentos.

Vivemos uma época marcada por quadros de extrema desigualdade e, somado a isso, também observamos um espírito de competitividade, constantemente alimentado, principalmente nos ramos empresariais e privados. A competitividade comumente gerada pelo segundo setor estimula ainda mais o agravamento dessas injustiças sociais.

Nesse contexto, pode tanto soar como utopia, quanto como uma necessidade, imaginar projetos rentáveis, que invistam seus lucros exclusiva e integralmente com o propósito de erradicar impactos adversos causados pela pobreza.

Nesta matéria explicaremos como esse novo conceito surgiu no mundo e quais são suas aplicações. Também abordaremos a forma como ele se espalha e se concretiza, ganhando destaque em diferentes iniciativas e governos.

Entenda a origem do conceito

Na década de 70, Muhammad Yunus, então professor da Universidade de Dhaka – Bangladesh, foi tocado pela extrema condição de pobreza em que viviam muitas famílias da região e pela dificuldade delas em receber auxílio bancário.

Por não possuírem garantias a oferecer em troca das transações, a maioria das famílias e trabalhadores necessitados ficavam sem amparo, e quem conseguia receber crédito tinha que lidar com altos juros aplicados pelos bancos como condição aos empréstimos. Dessa forma, os trabalhadores locais, em sua maioria pertencentes ao meio rural, não tinham condição de custear a compra de materiais e produtos que impulsionariam seus serviços e vendas.

Nesse contexto, o idealista Yunus, que acredita que cada ser humano possui um forte instinto de sobrevivência e autopreservação, capaz de ajudar a contornar as mais diversas situações, defendia que se recursos fossem oferecidos a essas pessoas, mesmo que em pequenas quantidades, resultaria numa eficaz melhora em suas condições de vida. Uma vez que, para ele, a forma mais efetiva de ajudar os pobres seria incentivar o que eles já têm de mais forte: o seu instinto.

Motivado por ideais de justiça, esse professor realizou uma experiência na qual concedeu um empréstimo de uma pequena quantia em dinheiro para um grupo de mulheres do interior de Bangladesh, com o objetivo principal de ajudá-las na compra de matéria-prima para confecção de artesanato. Como resultado, todas as mulheres que receberam o empréstimo conseguiram pagar suas parcelas e seus juros dentro do prazo combinado, retirando ainda uma pequena margem de lucro.

Essa experiência se mostrou muito bem-sucedida. Foi a constatação de que seria possível reproduzir indefinidamente esse processo testado, provando se tratar de um sistema vantajoso para ambas as partes, abrindo portas para o surgimento de negócios inovadores de natureza social e inclusiva. Também foi um momento-chave marcado pelo surgimento de novas discussões e de importantes conceitos, como os termos ‘microcrédito’ e ‘empresa social’.

Na década de 80, em decorrência das ideias e experiências de Yunus, foi criado o ‘Grameen Bank’, essencialmente dirigido aos mais pobres e reconhecido mundialmente como Banco Rural. Baseia-se no conceito de microcrédito (“grameencredit”) e mantém como principais objetivos garantir o concebimento de crédito como um direito básico humano (com juros baixos e pouca burocracia para a concessão do empréstimo) e auxiliar efetivamente famílias em condição de pobreza.

Assim, a proposta visionária em prol dessas famílias era criar novas oportunidades de ‘autoemprego’ para os desempregados em situação precária na Bangladesh rural, propiciando atividades que gerassem renda contínua. Aproximando as pessoas, especialmente mulheres mais pobres, no seio de um sistema orgânico, próspero, que elas pudessem compreender e administrar sozinhas.

Hoje o Grameen Bank é festejado como uma pioneira iniciativa do setor 2.5. E, por meio dos trabalhos realizados e em razão do sucesso na erradicação a pobreza em Bangladesh, Muhammad Yunus, é mundialmente reconhecido como o vencedor do Prêmio Mundial de Alimentação (1994) e vencedor do Nobel da paz (2006).

O que é uma empresa social?

O termo empresa (ou negócio) social é um dos conceito mais importantes dentro do modelo inovador proposto pelo setor 2.5.

São organizações pertencentes ao segundo setor, mas nas quais, o principal objetivo é propiciar benefício social. O conceito foi idealizado e fundado por Muhammad Yunus, e relaciona-se profundamente a pelo menos três questões-chave: a natureza humana, a pobreza e a autossustentabilidade de um negócio.

O padrão de empresa social, adotado com o Banco Grameen em Bangladesh, foi transformador. Buscando alcançar metas sociais específicas, demonstrou que uma empresa não precisa ter como fim exclusivo a geração de lucro.

Assim sendo, para compreender corretamente esse conceito, é preciso levar em consideração a complexidade da origem e as consequências sociais da pobreza, e tomar como base uma compreensão multidimensional da natureza humana, ou seja, distinta da proposta pela teoria econômica vigente (na qual a felicidade humana estaria relacionada ao sucesso financeiro).

Também se prova fundamental a necessidade de uma empresa social ser autossustentável (capaz de gerar renda suficiente para cobrir suas próprias despesas). De forma que uma parte da renda gerada por essas empresas seja investida em sua própria expansão e outra parte seja reservada para gastos ocasionais. A empresa, portanto, gera lucro, mas os investidores não se apropriam dele (salvo na recuperação do investimento originário).

O princípio de maximização dos lucros (incentivado pelo segundo setor) é então substituído pelo princípio do benefício social (incentivado pelo terceiro setor). Tratando de um projeto autossustentável que desfruta de grande potencial de crescimento e expansão para o empresário, uma vez que os lucros permanecem na empresa, e para a sociedade em razão dos benefícios e serviços oferecidos. Assim, essas empresas desenvolvem-se como verdadeiros agentes transformadores no mundo.

Porém, é preciso tomar certo cuidado para não confundir os conceitos de ‘empresa social’ e de ‘ações sociais empresariais’. Ações sociais de um empreendimento são caracterizadas pelo investimento ou destinação de parte do lucro do negócio para apoio a projetos sociais que beneficiem populações pobres. Já uma empresa social é um empreendimento pensado com o objetivo essencial de acabar com um problema social decorrente da pobreza, utilizando integralmente o lucro da empresa para essa essa finalidade.

Como esses conceitos se destacaram ao redor do mundo?

Entre a década de 90 e o início dos anos 2000, diferentes países lançaram modelos de negócios idealizados nos moldes da empresa social e do setor 2.5.

Fundada em 1995, a Grameen Shakti (Grameen Energia), fornece condições para a produção de fogões mais eficientes, de energia solar, de biogás e de adubo orgânico à população rural de Bangladesh.

A primeira experiência relatada em um país desenvolvido ocorreu no Reino Unido, em 2002, e tratava-se de duas organizações: a “Social Enterprise Coalition”, uma organização de incentivo à pesquisa, e a “Social Enterprise Unit”, que buscava promover negócios sociais.

Em 2004, o Ministério da Indústria e do Comércio do Reino Unido estabeleceu as formas legais associadas ao conceito inglês de negócio social, denominada de Community Interest Company (CICs).

Nos Estados Unidos, a experiência mais conhecida ocorreu em 2007. Foi o desdobramento do Grameen Bank, fundado por Yunus em Bangladesh. O ‘Grameen America’ foi aberto no Queens para conceder pequenos empréstimos, sem garantias, a mulheres locais que desejavam abrir negócios modestos ou expandir os que já operavam.

Outra experiência marcante ocorreu com a Grameen Danone, fundada em 2006. Essa empresa produz um tipo de iogurte fortificado com todos micronutrientes necessários para o desenvolvimento saudável de uma criança. O produto é vendido a um preço diferenciado, que possibilita o acesso da população mais pobre. O interessante é que uma vez que os proprietários não podem retirar dividendos, o lucro da Grameen Danone é totalmente avaliado pela quantidade de crianças que venceram a desnutrição no determinado ano.

Ganhando força no Brasil

No Brasil, as experiências ainda são um pouco mais contidas.

O maior exemplo é a empresa Artemísia, fundada em 2004, pioneira em negócios sociais no país. Foi criada com o objetivo de atrair e formar pessoas qualificadas para atuar no desenvolvimento desse novo modelo de negócio, oferecendo formação prática, e apoiando negócios sociais. Dessa forma, contribui ativamente para a articulação de massa crítica e desenvolvimento dos negócios sociais no Brasil.

Porém, apesar de esforços e resultados positivos, esse modelo ainda gera alguns equívocos quando tratado no Brasil.

Como já foi citado, existe a possibilidade de confundir os conceitos de empresa social com o compromisso das empresas em incorporarem ações sociais e ambientalmente corretas, sendo essa segunda uma peça fundamental na busca pela sustentabilidade. E, já que a sustentabilidade, por sua vez, é assunto obrigatório no meio empresarial nos dias de hoje, isso gera uma corrida das empresas para se adequarem às novas exigências impostas por todos os públicos de relacionamento. Muitas vezes, nessa corrida, acaba predominando a competitividade entre empresas e as atividades podem acabar sendo realizadas sem um alinhamento de conceitos, planejamento e estudos prévios de impactos e resultados efetivos.

Além disso, o contexto empresarial e social nacional são historicamente diferentes do contexto europeu e americano. Portanto, para implementação desse modelo inovador, proposto pelo ‘setor dois e meio’, é necessário identificar as possíveis dificuldades e potencialidades próprias do cenário empresarial brasileiro.

Confira o vídeo publicado originalmente pela joint-venture Danone-Grameen. Nele Muhammad Yunus explica de maneira simples e clara os ideais e objetivos propostos por uma empresa social.

https://www.youtube.com/watch?v=KmHyoW3Www4